A Sustentabilidade consiste na capacidade de sustentação dos sistemas agroalimentares ao longo dos anos, permitindo que se supra as necessidades atuais (econômicas, sociais e ambientais), sem comprometer as necessidades das gerações futuras.

O sistema alimentar global é o maior segmento da economia mundial e pode ser visto como o maior sistema de saúde do planeta. Essas são palavras de Ray Allan Goldberg, criador do termo Agribusiness (Agronegócio), escritas no prefácio de seu livro “Cidadania Alimentar: a defesa do sistema alimentar em uma era de desconfiança”. O reconhecimento da importância do sistema alimentar no agronegócio, evidenciado por Goldberg, nos traz enormes desafios e indica uma revolução mundial que está em curso, comandada por líderes de empresas privadas, governos, acadêmicos, sociedade civil e suas organizações.

No Brasil, essa revolução também está acontecendo. O agronegócio brasileiro, considerando todos os elos de suas cadeias produtivas, do insumo e serviços, passando pela produção agropecuária, agroindústrias e processamento, distribuição e consumo, obteve um faturamento aproximado de 2 trilhões de reais. E o setor agroalimentar foi seu principal motor. O país é o maior produtor mundial de soja e exportador de carne bovina e de frangos.

Segundo dados da CNA, a previsão de valor bruto de produção da agropecuária neste ano (2023), será de R$ 1,38 trilhão, com crescimento de 4,3% em relação ao ano anterior. Contudo, apesar dos recordes de produção e faturamento, a insegurança alimentar aumentou no país. Recentemente, a rede PENSSAN, divulgou relatório indicando que milhões de brasileiros vivem em algum grau de insegurança alimentar e 33,1 milhões de brasileiros passam fome. Por outro lado, a Associação Brasileira para Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica-ABESO, informou que aproximadamente 96 milhões de brasileiros estão com sobrepeso ou obesidade, doenças crônicas que têm, na alimentação, sua principal origem.

Com a ocorrência da pandemia de SARS-CoV-2, O conceito de saúde única (one health) vem se consolidando. Como nos ensina a FAO e a EMBRAPA, a saúde única trata-se de uma abordagem colaborativa, multissetorial e transdisciplinar ─ nos níveis local, regional, nacional e global ─ com o objetivo de alcançar resultados de saúde ideais, reconhecendo a interconexão entre pessoas, animais, plantas e seu ambiente compartilhado, como formas de garantir a segurança alimentar, a saúde humana, animal e ambiental.

Neste contexto, surge o Alimentarismo, conceito idealizado por este articulista e advindo de um neologismo de um termo italiano, o Alimentarista (L’alimentarista è il soggetto dedito alla produzione, preparazione, somministrazione e alla vendita di prodotti alimentari.), é alguém que envolve múltiplas e transversais competências que podem possuir um médico veterinário, um nutricionista e um advogado alimentarista brasileiro, ou o que se costuma chamar nos EUA de “food lawyer”. Também surge o Agroalimentarismo, englobando a parte de insumos e produção agropecuária da cadeia de alimentos.

Para implementarmos o Alimentarismo, é fundamental que tenhamos uma visão estruturada dos dois sistemas alimentares e façamos a distinção finalística que nos propõe a ABIA, concebendo dois grandes sistemas agroindustriais no Agronegócio.

O Agroalimentarismo e o Alimentarismo têm como propósitos: afirmar o setor Agroalimentar do novo Agronegócio, reconhecendo a produção e distribuição de alimentos como sua finalidade mais nobre e compatibilizando-o com os sistemas alimentares brasileiros, o cumprimento constitucional do Direito Humano à Alimentação Adequada e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentáveis – ODS, da ONU. Para atingir a esses objetivos, o Alimentarismo está fundado em forte arcabouço legal, que engloba as políticas agrícolas e de saúde, tal como a previsão constitucional do Direito Humano à Alimentação Adequada, inserido pela emenda constitucional nº 64, de 2010, no artigo 6º, da CF/88 e a Lei nº 11.346/2006, que institui o Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional brasileiro.

Para implementarmos o Alimentarismo, é fundamental que tenhamos uma visão estruturada dos sistemas alimentares e façamos a distinção finalística que nos propõe a Associação Brasileira da Indústria de Alimentos – ABIA, concebendo dois grandes sistemas agroindustriais no Agronegócio. O primeiro é o sistema agroalimentar, composto pelo conjunto de atividades que concorrem à formação e à distribuição dos produtos alimentares e, em consequência, o cumprimento da função de alimentação e formação da cidadania alimentar, que nos informa Goldberg. E o segundo, que não é objeto deste artigo, o sistema agroindustrial não alimentar, com finalidades madeireiras, energéticas, têxtil, de couros, calçados, papel e papelão.

Em virtude desta categorização do sistema agroalimentar, temos uma proteção constitucional e legal embasada no Direito Humano à Alimentação Adequada e, portanto, um direito oponível a outros de menor estatura, o que irá distingui-lo e lhe dará força dentro do Agronegócio. Neste sentido, o Alimentarismo avalia o sistema agroalimentar sob a ótica do consumidor de alimentos, que é a finalidade precípua do sistema alimentar. Assim, é dada maior importância nos fluxos de recursos financeiros e de informações, em especial as mercadológicas, que irão definir o arranjo de todos os sistemas alimentares.

Tendo sempre o consumidor como parâmetro primordial, o Alimentarismo deve prezar os princípios de formatação dos sistemas alimentares que abarquem e implementem os conceitos 5S2B, quais sejam, sistemas que promovam a Sustentabilidade, a Saudabilidade, a Segurança alimentar e nutricional, a Soberania alimentar, a Sinergia entre setores, o Bem-estar humano e o Bem-estar animal.

A Soberania alimentar é compreendida como a primazia das decisões dos países sobre a produção e consumo de alimentos em seu território, garantindo o abastecimento e fornecimento contínuos de alimentos de qualidade, em quantidades suficientes a toda população. A Segurança alimentar e nutricional consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidades suficientes, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base, práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis.

A Sustentabilidade consiste na capacidade de sustentação dos sistemas agroalimentares ao longo dos anos, permitindo que se supra as necessidades atuais (econômicas, sociais e ambientais), sem comprometer as necessidades das gerações futuras. A Saudabilidade é definida como “qualidade daquilo que é saudável”, e nos sistemas alimentares pode ser compreendida como todo alimento e alimentação que promova bem-estar, qualidade de vida, fortalecimento da saúde e que seja seguro ao consumo. E a Sinergia Alimentar consiste na cooperação entre todos os elos do sistema alimentar para atingimento de sua finalidade, incluindo a produção e circulação de conhecimentos, educação e o acesso à informação.

Concluo dizendo, que dentre todos as nações, o Brasil é o país que possui a maior capacidade para liderar essa revolução nos sistemas alimentares, pois detém recursos de solo, clima, água, técnicas de produção de agropecuária tropical, variedade cultural, de alimentos e capacidade humana ímpares e inigualáveis. Congratulo à Sociedade Nacional de Agricultura-SNA pela iniciativa de promover a cultura alimentar e de saúde e convido todos a contribuir com essa revolução, cada qual com seus saberes e conhecimentos, para que sejamos mais que celeiro do mundo, uma pátria alimentarista, referência mundial na consolidação do Direito Humano à Alimentação Adequada e o maior sistema de saúde do planeta.

Por Frederico Cunha
Advogado Alimentarista.